Nos finais do século XX, foi achado em Tavira um vaso em cerâmica de origem árabe que os arqueólogos dataram entre os séculos XI e XII, período de taifas no sul da Península Ibérica. Trata-se de uma peça decorativa, um vaso com sistema de irrigação para plantas, ou de uma pia de abluções? No bordo, apresentam-se pequeninas figuras, cinco zoomórficas e seis antropomórficas, entre estas, dois cavaleiros armados ladeando uma mulher, igualmente a cavalo, sendo, para alguns, a representação simbólica do rapto nupcial, e, para outros, a evocação da lendária princesa que liderou a revolta dos berberes contra os árabes, cerca de três séculos antes. E o povo berbere, nómada entre deserto e montanha, conhece a Natureza, os seus ditos e refrões referem os fenómenos naturais, os hábitos dos animais, de alguns fazendo seus amuletos. E, claro, a música completa o seu modus vivendi, toca-se o adufe ou o tanur,quer no festejo do matrimónio, que no incentivo à guerra. É o que representam os dois de (possivelmente) quatro músicos integrados nas miniaturas no bordo do vaso.
Observando este belíssimo artefacto, somos levados a pensar na sua simbologia e na enigmática mensagem. O camelo não oferece dúvidas, companheiro dos povos do deserto, representando a resistência, em tempo de guerra e de paz, é o animal inseparável (“acredite em Allah, mas amarre seu camelo”); o bovídeo, a força, o animal sacrificial, a aliança entre o Homem e o divino, representa igualmente a obediência; a tartaruga, a paciência, a sabedoria, pois “devagar se vai ao longe” (mais lento do que uma tartaruga); outros seres, terrestres e aquáticos se lhes juntam, do reino animal e vegetal, preenchendo o imaginário do Al-Andaluz, repetindo saberes de geração em geração, entre muçulmanos, cristãos ou moçárabes. E os ditos originariamente de uma língua, depressa se mesclam, se acrescentam, se difundem, chegam aos nossos dias.